quinta-feira, 31 de março de 2016

Quando aprendi a cantar o amor

É noite de lua cheia, estrelas absurdamente brilhantes e um clima exatamente como ela gostava, fresco mais para quente. Abram a roda, para essa canção quero meu melhor violão, e muito espaço para poder olhar  as estrelas de modo que minha voz seja voltada às mesmas. Acalmem-se, acalmem-se, é a tal canção, é ela.


Calças largas, cabelos bagunçados devidamente escondidos por um boné com a aba voltada para trás, blusa larga na tentativa inútil de esconder uma cintura extremamente delineada e um sorriso insistente, daqueles que jamais somem, jamais! E dessa forma, descrevo ela, em uma palavra: diferente. Em um adjetivo totalmente inovador: ela.
Ela que era uma artista da vida, perambulava cantando a felicidade, dançava com a ansiedade, pintava o sete, se necessário sete vezes já que pintava a persistência, era detentora de um corpo poético,  não poesia de Camões, nada de formas corretas ou métrica rígida, era poesia de boteco em guardanapo dos que rendem noites alucinantes e sorrisos contagiantes. Era música, um samba-enredo pela manhã, com rima, ritmo animado e tudo o que tiver de direito, e um jazz bem cultuado à noite. Era uma exímia abraçadora, isso mesmo, tinha como sonho abraçar o mundo e cada ser inserido nele. Gostava de abraços repentinos e carinho doado. Era a dona da maior teimosia do tal mundo que abraçava, porque estar certa nem sempre era ser justa, e deixava claro sua constância com testa franzida e lábios formadores de linhas daquelas que separavam o austral do boreal e a realidade do mundo que fazia questão de alimentar em sua mente. Ela era criança, de todas maneiras possíveis, uma criança artista das que criavam apelidos criativos para aprender a brincar com as palavras e ao crescer, continuou criança e inocente, carente, sorridente... Continuou me ensinando a preservar a criança que brinca com as palavras dentro de nós. E como qualquer boa música, gostaria de mantê-la num vinil somente para mim, sempre por perto, sempre ouvindo-a. Mas o mundo toma tudo o que um dia foi nosso, ou melhor, tudo o que jamais deveria ter sido. Já que as pessoas passam por nossa vida para nos ensinar e finalmente aprendi a cantar, a cantar essa coisa louca, desafinada, desarranjada e desconcertante que é o amor.
Ah, mas a saudade nos faz nostálgicos, nos faz criar melodias com o passado para que possamos ouvir o presente e substanciar o futuro. Enfim, sobre meu melhor violão e as estrelas? Porque na primeira noite com alguém que valha a pena vocês discutirão o indiscutível, como a distância do local presente à uma estrela, enquanto ela te explica os diferentes tipos de contrabaixo utilizados em um disco dos Beatles ou do Muse. E sim, quem a vê falando sobre Russeou e Hume, não imagina que é a dona das piadas mais ridículas do mundo, apesar de conquistar gargalhadas até mesmo com essas. Afinal, artistas não fazem apenas arte, eles semeiam a beleza da espontaneidade, e essa canção é isso, é improviso, é espontânea, é ela.